O Risco da Judicialização da Saúde




Nos últimos anos a atuação do poder judiciário na “busca pela efetivação do direito ao acesso à saúde” vêm ganhando notoriedade no noticiário, quando, por meio de suas decisões, magistrados do Brasil a fora conferem a pacientes específicos o direito a determinado procedimento médico ou tratamento com drogas cujo custeio é muito elevado para a maioria esmagadora da população.

Especialmente no Piauí, essa atuação tem se tornado temerária para o livre exercício da medicina, uma vez que, em uma atuação fria e longe do cotidiano da dura realidade do nosso sistema de saúde (SUS), os nossos magistrados deixam de levar em consideração o todo:

A CF/88 garante ao cidadão assistência à saúde de forma universal, equânime e integral (o SUS deverá prover todas as suas necessidades, incluindo o acesso à UTI).

O financiamento é feito pelos 3 níveis de governo (mínimo de 15% do orçamento municipal, 12% dos estados um percentual variável do PIB da União, que vêm diminuindo progressivamente). A limitação dos recursos existentes, desde a estrutura física, com leitos de UTI escassos e superlotados, aos quadros profissionais sobrecarregados, os quais atendem uma demanda na maior parte das vezes acima de suas capacidades físicas e mentais, mas sempre com dedicação e afinco, para o pleno exercício de tão nobre ofício, qual seja o de salvar vidas. A título de esclarecimento, o município de Teresina, que gasta com o SUS mais do DOBRO do que é obrigado e corre o risco de desobediência à LRF, há muitos anos tem reclamado ao Estado do Piauí, responsável pela atenção terciária (inclui UTI) tanto nos hospitais de referência da capital como da rede de hospitais do interior, alimentando a sobrecarga da rede municipal de Teresina. E o Ministério da Saúde, conhecedor dessa situação de sub-financiamento, responsável entre outras dificuldades, do número de leitos de UTI em Teresina e cidades do interior do Piauí.

Sendo incerto ser atendido pelos Governos do Piauí e da União nas dezenas de tentativas feitas pelo município e de conhecimento público, para a solução de problemas tão graves e que põem a vida de cidadãos em risco, temos a certeza de que a solução não está na punição dos médicos, incluindo a supressão de liberdade, por falta de leitos de UTI, em Teresina e nos demais municípios piauienses. 

Ao ignorar a limitação de recursos, os magistrados deixam de atentar-se para um importante princípio que permeia a administração pública, conhecido por “princípio da reserva do possível”, pelo qual deve-se buscar efetivar tantos quantos direitos estejam previstos em nosso ordenamento jurídico constitucional, aqui incluso o acesso à saúde, desde que observada a limitação orçamentária, que no caso específico do nosso estado traz contornos bem particulares, já que um hospital municipal (teoricamente projetado para atender a demanda dos cidadãos do próprio município) possui demanda a nível regional (atendendo à cidadãos de estados vizinhos, como o Maranhão).

Ao impor que a equipe médica plantonista atenda à uma decisão judicial de internação de determinado paciente, sob “pena das sanções cíveis e criminais”, com o fito de garantir a efetivação de determinado paciente que recorreu às mãos do judiciário, o magistrado fere duramente o direito à saúde e a própria dignidade humana dos pacientes que já estão sendo assistidos pela equipe médica.

Percebe-se, pois, que embora imbuída da mais alta nobreza, as recentes decisões tomadas através do crescente “ativismo judicial na saúde” têm afetado o exercício profissional do principal aliado (o profissional da medicina) na busca pela efetivação de tão importante direito.

Dessa forma, ao enfocar em casos específicos (garantindo a qualquer custo o acesso à saúde a cidadãos isolados por decisões judiciais), nossos magistrados combatem (aliviam) o sintoma, quando na verdade deveriam ser tomadas medidas para tratar a causa (precariedade de condições de trabalho, falta de estrutura e recursos), estes decorrentes de falhas nas gestões, não dos profissionais que tanto empenho dedicam à nossa população.

 

Weney Neco, advogado do setor Cível Estratégico do Iran Felinto Advogados




Criado em: 13-07-2016
Atualizado em: 13-07-2016